domingo, 29 de junho de 2008

Turistas Versus Quatis




Quem visita as cataratas do Iguaçu pelo lado brasileiro e utiliza o serviço de transporte da empresa cataratas s/a já ouviu aquela gravaçãozinha em três idiomas. Aquela coisa toda de boas vindas, as formalidades, os produtos oferecidos durante o passeio, as opções gastronômicas, e lá pelas tantas a gravação adverte para o cuidado com os Quatis. O Quati, também grafado Coati (do Tupí "nariz pontudo"), é um mamífero da ordem Carnívora, família dos Procionídeos e gênero Nasua. Quatis ah os quatis!!! Flagelados, famigerados, famintos e fedorentos quatis!!! Não se alimente em sua presença - segue a gravação - pois eles se tornam agressivos. Além disso são vetores naturais do vírus da raiva, em caso de acidente procure o serviço de primeiros-socorros localizado na área do porto canoas ao final do passeio. Enfim tocam um "terror" na cabeça dos turistas para que eles, invasores, respeitem o espaço do pobre procionídeo, mas, se você meu caro leitor acha que isso resolve, está redondamente enganado. (Abro um parêntese aqui para definir o turista da seguinte forma: espécie Homo sapiens - latim para homem sábio, homem racional - um primata bípede pertencente à superfamília Hominídea juntamente com outros símios e que se traja de forma estranha).
Existe uma áurea de folclore que envolve nosso símbolo-mor além muitas histórias a seu respeito. Os feitos e desfeitos, suas desventuras, idas e vindas. A eles já foram atribuídos pequenos e grandes delitos. Existe toda espécie de comentário. De pequenos furtos pelos quais jamais foram condenados por se tratar de "furto famélico", até burlescas histórias de quatis que sorrateiramente levaram bolsas, carteiras, sacolas com dinheiro, cartões de crédito, passaportes e passagens aéreas. Pelo jeito o nariz pontudo anda seu faro cada dia mais afinado.
Ninguém me tira da cabeça que aquele ataque do Puma a uma criança, ocorrido em agosto de 1997 do lado argentino, não tenha sido por culpa dos famigerados quatis. Afinal quem garante que o puma não confundiu a pobre criança com um deles? Naquela época, do lado argentino das cataratas, havia uma super população destes flagelados. Eram tantos que seu cheiro característico podia ser sentido de longe. O episódio do Puma desencadeou o remanejamento de quatis para os confins do Parque Nacional del Iguazu com o intuito de afastar os gatos. Desde então o número de visitantes subiu consideravelmente batendo a casa de 1 milhão por anos seguidos, e, aparentemente os quatis perceberam que do lado brasileiro o terreno tornou-se mais atrativo para encontrar comida fácil, aumentando assim sua popularidade e histórias a seu respeito.
O filhote de quati é tão "cuti-cuti" quanto qualquer outro filhote que se torna quase irresistível tocá-los (com exceção dos filhotes de turistas já que todos tem cara de joelho). As mamães Quatis dão à luz ninhadas de uma a seis crias num ninho construído num tronco de árvore, entre Outubro e Fevereiro e depois de algum tempo aparecem com sua prole. E sempre haverá um “stúpid whitte man" disposto a fazer cafuné no bichinho, aí meu amigo a coisa complica, pois até uma minhoca sai à defesa de sua cria. Já houve casos de "desavisados" serem literalmente retalhados, fatiados e embalados pra viagem por uma mamãe quati desembestada protegendo sua cria.

Um dia desses um companheiro contou uma história bem engraçada daquelas que passariam despercebidas não fosse nosso intrépido Nasua-nasua o personagem central desta crônica. Estava ele e mais um colega guiando um grupo de turistas em regime regular (aquele em que se apanha os turistas em vários hotéis). Procederam as formalidades e desenvolviam a excursão tranqüilamente quanto um perguntou ao outro.
__ Aqueles casal do Hotel das Cataratas, você os pegou?
__ Eu não, e você?
(Abro outro parêntese aqui para dizer que isso pode acontecer. Alta temporada, um milhão de detalhes e etapas e serem cumpridas durante um passeio, enfim, errar é humano.) E lá se foi o guia estressado contatar os passageiros esquecidos. A primeira providência foi chegar à recepção do hotel e ligar para o apartamento.
Do outro lado da linha uma voz masculina num inglês sofrível com um brutal sotaque hindu atendeu com simpatia, o que naturalmente foi percebido com alívio pelo profissional do turismo.
__ Hello!!!
__ Hello Mister Mahatma, estamos na recepção aguardando para dar início ao passeio pelas cataratas.
__ Mas o senhor está terrivelmente atrasado, de maneira que nós, cansados de esperar fizemos a caminhada por nossa conta.
__ Isso significa que o senhor está dispensando os nossos serviços?
__ Sem problemas, mas talvez você possa me ajudar num pequeno problema.
E o nosso companheiro louco pra se redimir do erro anterior respondeu aliviado.
__ Sem dúvidas, o Senhor poderia me dizer do que se trata?
__ Bem, você sabe aquele bichinho simpático que anda em bando ali pelas passarelas das cataratas? Pois é, minha mulher tentou fazer um carinho num deles de levou uma dentada na mão que lhe rendeu um talho. Será que o senhor poderia nos indicar um médico pra dar uma olhada, e quem sabe fazer um curativo? Mas não se preocupe, foi só uma dentada.
O mundo girou em volta do nosso colega diante da possível repercussão do fato. Imagine o tamanho do ploblema. Isso implicou em prestação de primeiros socorros e tratamento anti-rábico, com transfers de ida e volta ao hospital (sus), gratuidade total para o passageiro e fazendo tudo com muita presteza para a satisfação do hindu. Imagine você a saia-justa.
Bem, e continua tudo como antes no quartel de abrantes. Daqui a pouco eu conto como é o procedimento todo.

Creio que a maioria dos guias passou por esse tipo de experiência, senão com os quatis pelo menos com outros elementos da fauna local. De Macacos Pregos chacoalhando vespeiros pra espantar turistas, passando por ataques de Quero-Queros até cagadas de Urubus. Mas sem sombra de dúvida o campeão disparado é o nosso símbolo-mor.

Domingo de sol, onze da manhã, outro colega que em plena baixa temporada deixa seu lar doce lar em mais um dia de trabalho. Nosso personagem segue para o aeroporto de Foz do Iguaçu para recepcionar uma família de cinco turistas finlandeses com passaportes britânicos. Papai turista, mamãe turista e três filhotes de turistas, uma de 10, outro de 12 e a última de 15 aninhos respectivamente. A idéia era simplesmente apanhá-los no aeroporto do lado brasileiro para em seguida fazer o passeio às cataratas do lado brasileiro antes mesmo de hospedá-los no hotel Sheraton que fica em frente às cataratas do lado argentino. No outro dia seguiria o programa normalmente com passeios de barcos e caminhadas pelas cataratas lado argentino antes de trazê-los de volta ao mesmo aeroporto. Tecnicamente perfeito. Perfeito? E o Quati? Onde entra nosso símbolo-mor nessa história?
Ocorre que como o vôo chegou por volta das 12:30 hs os turistas não tinham comido nada além de amendoins e chegaram com muita fome e pouca vontade de gastar com um bom almoço. Ao desembarcarem no centro de visitantes pediram para comprar uns sanduíches para comer durante o trajeto em ônibus (aquele da gravaçãozinha), assim eles poupariam tempo e dinheiro. Aliás uma das principais características do gênero "turista" é dar adeus com as mãos fechadas, alguns deles são capazes de fazer o passeio de barco pelas cataratas com um sonrisal na mão, sem deixa-lo derreter. Nosso colega ponderou e, chegando a conclusão que um "lanche poderia tranqüilamente ser consumido durante um trajeto de dez quilômetros, sugeriu que eles comprassem sua comida enquanto ele providenciava os ingressos para a visita. Isso feito embarcaram lépidos e fagueiros no transporte e, enquanto os turistas comiam, o guia explicava, a gravaçãozinha se repetia e o ônibus rodava descortinando toda a exuberância do Parque Nacional do Iguaçu. Tudo se encaminhava para o que seria mais um dia rotineiro na vida de um "comunicador ambiental". Estava tudo nos conformes não fosse pelo fato da turistinha de dez anos ter comprado um pacote de batata chips, e, não tendo consumido tudo dentro do ônibus, resolvido caminhar pelas cataratas saciando suas lombriguinhas.
Rufem os tambores. Abram-se as cortinas e que comece o espetáculo. A criança deu dois passos pra fora do ônibus e foi atacada por um quati. Mas não foi um daqueles ataques em ele chega farejando, dando tempo para escorraça-lo. Aquilo foi um ataque foi cinematográfico, digno de um filme terror. O bicho literalmente voou na garganta da menina fazendo a coitadinha soltar um grito de espanto e largar o pacote das tão cobiçadas batatinhas. A primeira providência do nosso companheiro foi verificar se não havia ocorrido nenhum ferimento e, para seu desespero constatou que em seu vôo espetacular o quati arranhou o joelho da criança com sua pata traseira, sangrando muito. Bom muita calma sugeriu-se que fossem ao pronto atendimento do Porto Canoas. Lá chegando e já com as formalidades cumpridas, a atendente sugeriu que seguissem para o hospital para proceder o tratamento anti-rábico. Bem aí entra a falta de bom senso do papai turista dizendo que estavam muito cansados e que, chegando ao hotel, que fica do lado argentino, chamariam um médico para que examinasse a criança e ministrasse a vacina. Tudo bem, isso posto, seguiram para o hotel. Trâmite de aduanas, 45 quilômetros de viagem, e lá chegando foram para o check-in enquanto nosso companheiro perguntava pelo médico.Para alívio de todos este se encontrava nas dependências do hotel, e iniciou o atendimento ali mesmo na recepção.Não fosse pela falta de tato do discípulo de Esculápio tudo estaria bem.

A consulta começou com um olhar de espanto (quanta sensibilidade) e em seguida o diagnóstico. Sim ela realmente precisa tomar as vacinas anti-rábicas. E são 11 em volta do umbigo a cada 48 horas. Assim na bucha. A criança começou a chorar apavorada imaginando o monte de agulhadas em volta do seu umbigo. Bem doutor, reconheceu o pai, se não existe outra maneira, comecemos o tratamento agora mesmo. E estupefato recebeu a seguinte resposta. Tudo bem, o único problema é que não dispomos dessa vacina aqui em Puerto Iguazu, teríamos que traze-la de Eldorado que fica a uns 100 quilômetros daqui. Diante disse o pai quase desmaiou e claro nosso amigo guia já sentia o caldo engrossar para o seu lado.

Resumo da ópera. Depois de um cansativo dia de trabalho, nosso paladino do turismo embarcou papai, mamãe e filhotinha de volta em seu carro, trouxe-os de volta para o Brasil, seguiu até o SUS para que a pequena pudesse finalmente iniciar seu tratamento anti-rábico. Que seria ministrado da seguinte forma: 5 injeções, a segunda no terceiro dia, a terceira no sétimo dia, a quarta no décimo quarto dia e a última no vigésimo oitavo dia. Mas quem realmente necessitava uma vacina anti-rábica era o motorista que os acompanhava. O homem só faltava espumar pela boca. Pulava e praguejava insanamente. Dizia que a pentelha tinha acabado com sua noite e que no outro dia certamente amanheceria com um rabo bem peludo, que quando seu pai lhe oferecesse leite ela certamente teria que tomar às lambidas em um pratinho, que ia ganhar um par de presas de 10 centímetros e por aí afora. Com isso o tempo foi passando e a coisa foi relaxando até que o guia e o motorista começaram a rir, imaginando o que mais poderia acontecer com a pobre menininha.

Bem meus caros leitores, parafraseando Shakespeare, seria cômico se não fosse trágico, porque a empreitada começou as 17:30 horas e só terminou a uma hora da manhã, e tudo isso de baixo de muita chuva.
E como o barato sempre sai caro e a justiça tarda mas não falha, no regresso ao hotel, o pai da criança extenuado pelo estresse do programa perguntou se haveria alguma maneira de compensa-los pelo trabalho todo e a resposta do guia foi muito, mas muito profissional. Meu senhor – disse ele – vocês tem até amanhã a tarde para pensar numa maneira de me compensar mas quanto ao nosso condutor, peço que pense rápido porque já estamos chegando ao hotel, e certamente ele não nos acompanhará amanhã. E a justiça foi feita quando finalmente ambos receberam várias notinhas verdes para compensar o esforço empreendido.

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