terça-feira, 7 de junho de 2011

Venha ver o pôr-do-sol

Foto: Fim de tarde na fronteira (Mauro Welter).



Venha ver o pôr-do-sol Análise do conto de Lygia Fagundes Telles.

Venha ver o pôr do sol é a história de dois jovens que viveram um caso amoroso e que se reencontram depois de algum tempo para um último adeus.

A descrição do espaço, não somente no início, como no decorrer do conto, demonstra o teor e iminência de uma tragédia, pois, tendo como meio físico um cemitério, pode-se concluir que uma luta entre o bem e o mal irá acontecer. Eis o nó da trama, a luta do bem contra o mal o conflito entre o amor e a morte. É justamente neste espaço desolado, que se desenvolve a trama macabra. Elementos como: (...) “local deserto” (...) “portão carcomido pela ferrugem” (...) “o velho muro em ruína”, descrevem o estado de abandono do local e dão a tônica do mistério. Diga-se de passagem, Lygia Fagundes Telles, com grande destreza, não precisou mais do que o espaço de um cemitério abandonado para escrever este conto, que se tornou um clássico na literatura brasileira. No entanto, a maneira como ela o descreve, nos remete às clássicas histórias de terror. É notável também, a velocidade com que a trama se desenvolve. Não foi preciso mais que uma tarde para que tudo acontecesse. Neste enredo linear, as analepses se apresentam inteligentemente. Ricardo as usa para relembrar de onde vieram, o que fumavam e o que vestiam. A mais importante delas, no entanto, é a prima de um passado distante, supostamente apaixonada por ele.

Como posto no parágrafo anterior, à medida que avança a narrativa, mais elementos vão dando a idéia do quão assustador são os arredores e o interior do campo santo abandonado. A dimensão é relatada, por vezes em discurso direto, (...) “este cemitério não acaba mais, já andamos quilômetros!” (...), e por vezes pelo narrador em terceira pessoa, (...) “capelinha coberta de alto abaixo por trepadeira selvagem” (...) “cubículo de paredes enegrecidas” (...) “altar desmantelado, toalhas amareladas”. Uma trama envolvente e assustadora, que, dada a serenidade com que Ricardo conduz sua “amada”, nos faz ler com a tranquilidade de quem passa os olhos por um conto infantojuvenil. Este fator pode ser considerado uma prolepse, pois, ainda que subliminarmente, trata-se do adiantamento de um fato que ocorrerá posteriormente.

Nesta narrativa ficcional, em discurso direto, os dois personagens redondos, apresentam um conjunto de traços complexos, que muda, evolui e surpreende. São identificáveis pelo baixo extrato social de que provêm, seja pelos trajes do rapaz, ou pelo sagaz comentário a respeito das saudosas botas “sete léguas”, outrora usadas pela protagonista.

Numa análise superficial poderíamos classificar Raquel como protagonista e Ricardo como antagonista (vilão). Porém, em termos de construção de personagens e dado à importância de ambos, o que se tem são dois protagonistas, sendo que Ricardo classifica-se como anti-herói. Com relação à Raquel, pode-se considerá-la inteligente, porém não tão complexa quanto o rapaz, pois, se por um lado esta foi capaz de conseguir um partido melhor, não se deu conta do perigo que podia representar este último encontro com seu ex-namorado. Em Ricardo, sim, tem-se um personagem complexo, quer seja, controlando sua ira, conduzindo a vítima sem maiores problemas, ou, nas mudanças em seu semblante (as inúmeras rugazinhas que surgem ao redor dos seus olhos, para sumir em seguida), disfarçando suas intenções com ares de ingenuidade. Requisitos necessários para o sucesso do seu plano.

Outros personagens. Tais como as crianças e o taxi (não se faz menção ao taxista), apesar de irrelevantes pode-se dizer que tem alguma importância, visto que Ricardo utiliza-os para forçar uma situação e/ou amenizar a tensão. No caso do taxi, mantendo-o propositalmente longe, quanto as crianças, ele as usa para tranqüilizar sua pretensa vítima e assim atingir seu intento maléfico.

Interessante, no entanto é a classificação do narrador segundo as visões de Jean Pouillon, Gerard Genette e Norman Friedman, senão vejamos: Enquanto para Pouillon, temos a narração objetiva para descrever Raquel, ou seja, uma visão de fora, tem-se na descrição de Ricardo, uma visão por detrás, já que essa vem também com os fatores psicológicos, as mágoas e todo o contexto que o move para a vingança. Na visão de Genette é flagrante a heterodiegese do narrador (simplesmente em 3ª pessoa). Como Friedman, em seus estudos, escrutinou de maneira mais detalhada os tipos de narradores, torna-se também necessária uma maior atenção ao analisar o narrador sob seu ponto-de-vista. Em princípio, Trata-se de um narrador onisciente intruso, demonstrando conhecer bem o interior dos personagens, bem como tecendo comentários (porém sem fazê-los em 1ª pessoa). As seguintes passagens do conto relatam essas situações: “sorriu entre o malicioso e o ingênuo” (...) “riu também, afetando encabulamento” (...) “inúmeras rugazinhas foram formando-se” (...) “expressão astuta” (...) “ar experiente” (...) “desatento, a descrição do ambiente” (...) “deixava-se conduzir como uma criança” (...) “ele apanhou um pedregulho e fechou-o na mão” (...).

O fato de Raquel não amar o marido e dispor-se a ir ao encontro do ex-namorado, denota total confiança em Ricardo, que a conduz com maestria com respostas e propostas evasivas. Sendo este o fato que interrompe o fluxo inicial da narrativa. Essa maestria com a qual ele conduz a protagonista, constitui-se no clímax, facilmente flagrado pela descrição assustadora das ervas daninhas, dos pássaros grasnando e do total abandono do ambiente.

O final surpreendente e surreal, quando ele trancafia sua amada na catacumba do jazigo, é a resolução do conflito central da narrativa. É com esse desfecho que a força contrária vence e se afirma sobre seu oponente


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